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CAMPO & CIDADE

Biocarvão

Fertilidade do solo, eis um tema instigante. Malavolta, professor emérito da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, destaca esse fato nas preliminares do clássico: Manual de Química Agrícola – Adubos e Adubação (1981). Em outras palavras, reitera:

- Os povos antigos apreenderam que enterrando um peixe no solo e, plantando-se em seguida, a cultura se desenvolvia com mais vigor. Atribuíam o fato ao espirito do peixe ali presente, e não aos nutrientes desprendidos.

Obviamente que longa foi a marcha para desvendar este aparente mistério. O emprego de ossos, cinzas, guano, calcários e margas
remontam a séculos na agricultura. A Bíblia se reporta ao uso de esterco e restos de animais. O mesmo fizera Homero e Xenofonte. Teofrasto recomendava o uso de resíduos de esgoto nas hortas perto de Atenas. Pietro de Crescenzi (1230-1307) – considerado o fundador da agricultura moderna – na obra Opus Ruralium Commodorum) -, entre as inúmeras práticas agrícolas, preconizava o uso de esterco.

No entanto, somente a partir de 1665 se inicia a produção de insumos, evidentemente de forma bastante incipiente. Produzir mais na mesma área, o desafio. “ Duas espigas de milho ou 2 folhas de grama onde antes só se obtinha uma”(Colllings).

Da descoberta benéfica do nitrato de potássio (Kenelm Digby, Inglaterra) ao emprego do biocarvão na atualidade, há uma sequência de descobertas simplesmente revolucionárias. Uma das mais notáveis: a síntese da ureia a partir do nitrogênio do ar (Wohler, 1928).

No Brasil as primeiras investidas de produção de adubos em escala comercial surgiram a partir de década de 1950. Primeiro com a produção de farinha de ossos e tortas e, em seguida, de superfosfato simples no Estado de SP (1956).

Embora o Brasil seja o celeiro do mundo, em grande parte, depende da importação de fertilizantes, especialmente fósforo e potássio. Certamente, o calcanhar de Aquiles do agro nacional.

É evidente que outros fatores são decisivos na produção agropecuária, como o solo (relevo e fertilidade) e recursos hídricos(rede hidrográfica e distribuição das chuvas), mas principalmente a incidência de energia solar. E cá entre nós, tranquilamente podemos dizer que, neste quesito – energia solar -, somos privilegiados. País do sol, certamente. E, por que não, país da fotossíntese. Da sintropia.

Ah, mas sem a mola propulsora: o braço forte de nosso empreendedor rural, nada disso seria possível. Certamente, não chegaríamos a lugar algum.

Por isso, dói na alma ver a forma como nosso agricultor as vezes é tratado por alguns meios de comunicação. E até por pseudointelectuais de plantão. Matam a fome mundo afora, porém, em sua terra são tratados como párias. Estranho paradoxo. Na verdade, são heróis. Homero na Odisseia já dizia: “Morrer de fome, o mais amargo dos destinos”.

Divagações à parte, biocarvão propalado aos quatro ventos, o que é? É isso mesmo: carvão de origem vegetal empregado como insumo agrícola. Há uma diferença entre carvão e cinza vegetal, obviamente; ambos de alguma forma de longa data empregados na agricultura. O carvão, no entanto, conserva o carbono, contribuindo, assim, para a redução do efeito estufa.

A novidade o termo “bio”(vida). Estudos realizados nos últimos 10 anos comprovam: formulações à base de biocarvão elevam a produtividade agrícola em até 50%. O crescimento das raízes em até 30% e dos brotos, 45%. Na Polônia empregado em lavouras de milho, elevou a produtividade em 50%.

Nessa direção acaba de ser inaugurada a primeira fábrica em Lajinha Minas Gerais. Inciativa da Cocafé. Capacidade produção: 4,5 mil toneladas/ano.

E as perspectivas de avanço são promissoras: estima-se que o mercado global pode chegar a 587 milhões de dólares até 2030, segundo a ONGs EARTH. E créditos de carbono a partir do biocarvão já são comercializados na África (Camarões), tendo como agente operador o banco franco-britânico Rothschild.

Embora o aparente otimismo há que, naturalmente, haver as devidas cautelas. Cada solo é um solo. E toda recomendação deve ocorrer após a devida análise do mesmo.

De qualquer forma o biocarvão desperta novas perspectivas, especialmente quanto ao desenvolvimento local.

“Pensar globalmente e agir localmente”, eis a máxima de Gro Bruntlhand, mais uma vez sendo comprovada na prática.


Joinville, 16 de dezembro de 2023

Onévio Zabot
Engenheiro Agrônomo

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